Um país se faz com
sapatos e livros – Texto retirado do
livro Manual de desculpas esfarrapadas de Léo Cunha
Outro dia numa
palestra, eu escutei uma fgrase genial
do Pedro Bandeira, aquele escritor que você deve estar cansado de conhecer. É
aquele mesmo dos Karas, da feiurinha e de outos tantos livros. Pois bem: o
Pedro estava num colégio carérrimo e chiquérrimo de São Paulo quando uma madame veio reclamar
do preço dos livros. Nosso caro escritor – carérrimo segundo a madame – olhou pros
filhos dela e viu que os dois estavam de tênis importado. Então o Pedro – que apesar
do nome, não costuma dar bandeira – virou para ela e soltou a seguinte frase: “Ô minha senhora, não é o
livro que é caro, é a senhora que prefere investir no pé do que na cabeça dos seus filhos”.
O auditório aplaudiu
de pé aquela história. Palmas, gritos, gargalhadas. Eu, disfarçadamente, olhei pra ver se não estava calçando o meu bom e
velho Nike branco. Não tenho a menor
intenção de fazer propaganda pra ninguém, pelo contrário: não perco uma
chance de comentar aquelas acusações que
a Nike vive recebendo de exploração do trabalho infantil na Ásia. Mas não posso negar que bateu um
sentimento de culpa ao escutar ao
escutar aquela frase. Felizmente, eu estava calçando um discretíssimo mocassim
preto, então pude aplaudir com mais entusiasmo a tirada do Pedro.
Tirada, aliás, que me
fez lembrar um caso divertido da minha infância. Foi no inicio da década de 80,
eu e minha irmã estávamos entrando na adolescência e estudávamos num grande
colégio de BH.
Um dia estávamos em
casa quando a mãe de um colega da minha irmã bateu a campainha. Abrimos a
janela e vimos a tal senhora debruçada sobre o portão em lágrimas. Pronto,
morreu alguém, pensamos logo!
Mas não, a coitada
logo começo a explicar aos soluço: “Eu não estou dando conta dos meus
serviçais, eles não param de brigar!” Juro que ela falou assim: “meus serviçais”.
Se eu me lembro bem, a casa dessa senhora era imensa e ocupava quase um quarteirão. Para manter o
castelo em ordem, ela precisava de pelo menos “oito serviçais”. Era aí que o
negocio complicava, pois controlar tanta gente se mostrava uma tarefa árdua, que exigia muito preparo e
psicologia.
Ficamos muito
consternados com a pobrezinha, ela agradeceu o apoio moral, mas completou que
este não era o motivo da visita. O que era então? E foi aí que veio a bomba. O colégio tinha mandado os meninos dela
lerem um livro assim assim e ela queria
saber se minha irmã já tinha
terminado, pra poder emprestar ao filho
dela!
Minha mãe ficou congelada, não sabia se tinha
ouvido direito. Então quer dizer que a madame podia contratar oito serviçais
para se engalfinharem e não podia comprar um livro, um mísero livro, coitadinho,
que nunca brigou ninguém?
Minha mãe era
livreira, professora, escrevia resenhas para a imprensa e tinha uma biblioteca
imensa, inclusive com alguns livros repetidos. Deve ser por isso que se não me falha a memória, nós não apenas
emprestamos, como demos o livro para a mulher.
A frase do Pedro Bandeira
completa perfeitamente o caso e
vice-versa. Ninguém está negando que o livro, ou alguns livros, poderiam ser
mais baratos, mas de que adianta baixar o preço do produto se nós não dermos
valor a ele, se ele não for importante
em nossas vidas? Se a gente prefere entrar numa sapataria e investir no pé dos
nossos filhos. Se a gente entra num McDonalds da vida e pede pelo número,
deixando as letras para depois, ou para
nunca.
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