segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Vamos começar a semana com texto muito bom para reflexão!

Um país se faz com sapatos e livros – Texto retirado do  livro Manual de desculpas esfarrapadas de  Léo Cunha

Outro dia numa palestra, eu escutei  uma fgrase genial do Pedro Bandeira, aquele escritor que você deve estar cansado de conhecer. É aquele mesmo dos Karas, da feiurinha e de outos tantos livros. Pois bem: o Pedro estava num colégio carérrimo e chiquérrimo  de São Paulo quando uma madame veio reclamar do preço dos livros. Nosso caro escritor – carérrimo segundo a madame – olhou pros filhos dela e viu que os dois estavam de tênis importado. Então o Pedro – que apesar do nome, não costuma dar bandeira – virou para ela e soltou  a seguinte frase: “Ô minha senhora, não é o livro que é caro, é a senhora que prefere investir  no pé do que na cabeça dos seus filhos”.
O auditório aplaudiu de pé aquela história. Palmas, gritos, gargalhadas. Eu, disfarçadamente, olhei  pra ver se não estava calçando o meu bom e velho Nike branco. Não tenho a menor  intenção de fazer propaganda pra ninguém, pelo contrário: não perco uma chance de comentar aquelas acusações  que a Nike vive recebendo de exploração do trabalho infantil   na Ásia. Mas não posso negar que bateu um sentimento de culpa ao escutar  ao escutar aquela frase. Felizmente, eu estava calçando um discretíssimo mocassim preto, então pude aplaudir com mais entusiasmo a tirada do Pedro.
Tirada, aliás, que me fez lembrar um caso divertido da minha infância. Foi no inicio da década de 80, eu e minha irmã estávamos entrando na adolescência e estudávamos num grande colégio de BH.
Um dia estávamos em casa quando a mãe de um colega da minha irmã bateu a campainha. Abrimos a janela e vimos a tal senhora debruçada sobre o portão em lágrimas. Pronto, morreu alguém, pensamos logo!
Mas não, a coitada logo começo a explicar aos soluço: “Eu não estou dando conta dos meus serviçais, eles não param de brigar!” Juro que ela falou assim: “meus serviçais”. Se eu me lembro bem, a casa dessa senhora era imensa  e ocupava quase um quarteirão. Para manter o castelo em ordem, ela precisava de pelo menos “oito serviçais”. Era aí que o negocio complicava, pois controlar tanta gente se mostrava   uma tarefa árdua, que exigia muito preparo e psicologia.
Ficamos muito consternados com a pobrezinha, ela agradeceu o apoio moral, mas completou que este não era o motivo da visita. O que era então? E foi aí que veio a  bomba. O colégio tinha mandado os meninos dela lerem um livro assim assim e ela queria  saber se minha irmã  já tinha terminado, pra  poder emprestar ao filho dela!
 Minha mãe ficou congelada, não sabia se tinha ouvido direito. Então quer dizer que a madame podia contratar oito serviçais para se engalfinharem e não podia comprar um livro, um mísero livro, coitadinho, que nunca brigou ninguém?
Minha mãe era livreira, professora, escrevia resenhas para a imprensa e tinha uma biblioteca imensa, inclusive com alguns livros repetidos. Deve ser por isso  que se não me falha a memória, nós não apenas emprestamos, como demos o livro para a mulher.
A frase do Pedro Bandeira  completa perfeitamente o caso e vice-versa. Ninguém está negando que o livro, ou alguns livros, poderiam ser mais baratos, mas de que adianta baixar o preço do produto se nós não dermos valor  a ele, se ele não for importante em nossas vidas? Se a gente prefere entrar numa sapataria e investir no pé dos nossos filhos. Se a gente entra num McDonalds da vida e pede pelo número, deixando as letras para  depois, ou para nunca.


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